Quando nasce um escritor


A busca pela comunicação e expressão das idéias surgiram lá na pré-história. Quando os primitivos desenhavam nas paredes das cavernas.
Veja como eles já tinham essa necessidade de dizer o que pensavam e sentiam o desejo de manifestar isso, para todos verem.
Com o passar do tempo, os escritores foram surgindo conforme sua vocação. Autores de obras literárias, científicas e de diversas formas de manifestação da escrita.
Muitos dizem que há uma necessidade de conhecimento específico nessa área. Mas, ainda vejo pessoas sem estudo nenhum, escrevendo textos ricos em sentimentos expressados, como acontece lá no nordeste, com os cordéis.

Essa noite tive um sonho, estava andando na praça de minha cidade, quando encontrei um senhor, com uma sacolinha de pano a tira-colo, com vários papéis na mão direita, oferecendo pra quem passasse.
Quando me aproximei dele, ele me ofereceu um pequeno papel com uma poesia, escrita por ele. Perguntei:
- O senhor gosta de escrever? Ele me respondeu:
- Sim senhora, foi o dom que Deus me deu. Eu escrevo desde pequeno, lá no Engenho de Pau d'Arco.Já sensibilizada pela imagem pura daquele senhor, perguntei:
- Quanto custa a sua poesia?Ele sorriu timidamente e disse:
- O que a senhora pagar está bom pra mim! Vai do valor que a senhora dá ao escritor e a poesia feita por ele.Quando lhe dei o dinheiro ele assustou:
- Minha senhora isso não é um livro, é apenas um pedaço de papel. Olha, pegue, leve mais poesias, pelo valor que está me dando, tem que levar mais. Eu respondi:
- Vou levar apenas um, pois esse é o valor que estou dando ao dom que Deus lhe deu, os outros ficam com o senhor. Talvez o senhor encontre mais pessoas que gostam de poesia.

Ele ficou tão emocionado. Abriu sua sacolinha de pano, tirou um lenço e, sentado no banco da praça, enxugou suas lágrimas, que molhavam sua face cansada. Eu me aproximei dele e pedi licença para declamar sua poesia em voz alta:

Ecos d'Alma

Oh! madrugada de ilusões, santíssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer então risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-Láctea da Ilusão que passa!

Assinado: Augusto dos Anjos.

Acordei com um nó na garganta, sentindo na alma, o quanto é indescritível ser um escritor, um dom que já nasce pulsando no coração, independente do tempo ou do espaço em que nos encontramos. Fiquei lembrando da imagem de Augusto dos Anjos, que só teve um livro publicado "EU", antes de morrer de pneumonia aos 30 anos. Um autor que ficou consagrado, não pela quantidade de livros da sua obra, mas pelo valor literário de cada verso que escreveu. De fato, ele nasceu escritor, nasceu poeta!



*lançamento em fev/2010 - Contos Fantásticos - Edição 2010 - CBJE- Rio de Janeiro




Comentários

  1. O que pensar, como você mesmo nos atenta, das pinturas nas paredes das cavernas do dito homem primitivo? Deve haver algo de primitivo nos intelectuais que hoje analisam com linguajar quase inacessível aos pobres mortais as questões inerentes do que é um escrito e do que é uma imagem originada desse escrito, como o que se processa numa adaptação do livro ao roteiro e ao cinema ou do que se processa na mente de um leitor de uma obra poética, ou então do que ocorre na mente daquele que cria do "nada" um texto que nos evoca a pensar por gerações e gerações a respeito da existência... A elocubração não terá fim se eu nao parar agora. Eis uma das magias tocadas pelo "mago" Augusto do Anjos...

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Agradeço sua atenção.

Helen De Rose