A procissão dos mortos


A garoa caía fina sobre os paralelepípedos das ruas de uma cidade do interior de Minas. As gotículas pareciam lágrimas que caíam do céu, pois era uma noite de sexta-feira Santa. As brumas subiam das calçadas, formando um véu misterioso diante daquela passagem umedecida. Alfombras de pétalas de rosas eram lançadas pelo caminho das mãos de crianças e coroinhas.

Todos se preparavam em vigília silenciosa, acendendo velas brancas que cada um carregava debaixo do seu guarda-chuva, acompanhando a imagem de Jesus morto sobre o andor antigo da Igreja. Só podia se ouvir os passos molhados pelas ruas e o terço rezado por todos em sinal de luto. As mulheres cobriam a cabeça com véu de renda negro, enquanto os homens estavam de terno preto. Nos rostos, a tristeza completava aquelas imagens fúnebres de uma noite, onde, segundo os mais antigos contam, os mortos saíam dos seus túmulos em busca de luz e acompanhavam tudo no fim da procissão.
Durante a passagem da procissão, pessoas abriam as janelas das casas e colocavam uma vela branca acesa sobre o parapeito, em sinal de consternação e vigília. Ficavam na janela olhando a passagem de todos os participantes. O Padre estava logo atrás da imagem, usando uma túnica roxa e jogando água benta pelo caminho, enquanto os Ministros da Eucaristia carregavam o andor. A procissão tomava conta de todas as ruas centrais da cidade, até chegar novamente na porta central da Igreja, no momento exato em que os sinos deveriam dobrar doze vezes. Mas, nesta noite, por um motivo misterioso, os sinos dobraram treze vezes. Todos comentavam e olhavam para o alto da torre da Igreja assustados.
Enquanto isso, lá no final da procissão, uma mulher misteriosa trazia num dos braços, uma caixa fechada. Ao longo da rua, viu que numa das janelas, não havia vela acesa, então deixou a caixa sobre o para peito e continuou seguindo o final da procissão. Quando a moradora chegou para fechar a janela, uma vizinha da frente, do outro lado da rua, disse para ela:
- Eu vi quem deixou essa caixa em sua janela. Foi uma mulher com um capuz negro, ela só tinha um braço, onde trazia essa caixa. Ela estava no fim da procissão que acabou de passar.
Quando a moradora abriu a caixa, o susto foi grande, gritou ao derrubá-la no chão. No interior da caixa jazia um braço em decomposição.







*Lançamento 15/03/2011 - Contos da Meia-Noite - CBJE - Rio de Janeiro





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Helen De Rose